NEOSSOLOS FLÚVICOS DO EXTREMO NORTE DA BACIA HIDROGRÁFICA PARANÁ III

Gustavo R. Curcio1; João Bosco Vasconcellos Gomes2, Mauricio Kacharouski3, Marlon A. Debrino4

Julho 2021

                                                                          

Em função do capeamento arenítico que recobre o extremo norte da Bacia Hidrográfica Paraná III, os Neossolos Flúvicos - classe exclusiva de planície – expressam comumente texturas arenosas e médias com alternância de cores escurecidas e esbranquiçadas, características que melhor evidenciam a ocorrência dos processos fluviais – erosão, transporte e sedimentação.  Além disso, também é comum evidenciar a interferência das dinâmicas de coluvionamento atingindo as planícies da região (Figura 1).

 

Neossolo Flúvico
Figura 1 - NEOSSOLO FLÚVICO Tb Distrófico gleissólico

 

 

 

O conhecimento técnico sobre os processos geomorfológicos e pedológicos que ocorrem continuamente no desenvolvimento das paisagens, sobretudo, em planícies elaboradas em distintos quadros geológicos, facilita muito a interpretação da dinâmica fluvial e a compreensão de uma de suas “produções físicas” – os solos.

O Neossolo Flúvico, exemplar típico de planície, é um solo que possui apenas um horizonte superficial – A – o qual repousa sobre diferentes camadas ou lentes de natureza fluvial. A formação deste decorre de sua contínua pigmentação pelos ácidos orgânicos originários da vegetação existente em sua superfície, fato que revela uma temporária estabilidade ambiental, favorecendo a manutenção da vegetação própria que o recobre. Certas características deste horizonte superficial nos Neossolos, podendo citar como das mais importantes a sua espessura e o seu teor de matéria orgânica, traduzem a presença e a intensidade das funções ecológicas locais que, em última instância, traduzem a capacidade de desenvolver e manter a vegetação, incluindo o grau de resiliência para o enfrentamento de grandes cheias, as quais ensejam processos diversos de degradações/construções fluviais.

A presença deste horizonte consagra grau de desenvolvimento pedológico ao pacote fluvial e o difere de simples depósitos fluviais, destituídos de evolução pedogenética, sejam estes de constituição arenosa (psamítico), siltosa (psefítico), ou argilosa (pelítico). Em outras palavras, quando na planície é registrada apenas a presença de depósitos, depreende-se que os processos de transborde fluvial são extremamente recorrentes, conferindo instabilidade biótica à paisagem, consequentemente, impondo, por exemplo, restrição à ocupação de alguns tipos de vegetação.

Assim, um evento de transborde fluvial, dependendo de sua magnitude, pode determinar o final de um ciclo de desenvolvimento do horizonte A, por conseguinte, estabelecer sua espessura final com os respectivos atributos adquiridos.  

Não é rara a ocorrência de Neossolos Flúvicos com horizontes superficiais recobertos (paleo A) por camadas, lentes, ou leques de dejeção de origem coluvionar (Figura 1), condições que atestam o contínuo e intenso regime de construção/desconstrução que rege a edificação das planícies fluviais.

É muito frequente detectar a formação de camadas e lentes abaixo do horizonte A, sendo que estas diferem quanto à nominação exclusivamente por suas espessuras, as primeiras mais espessas, enquanto as lentes, mais delgadas. Ambas constituem volumes horizontalmente linearizados de conformação e constituição muito variável, representantes de pulsos fluviais deposicionais que refletem a energia de transporte do caudal fluvial e que, para alguns casos, permitem inferir sobre o tempo de ocorrência dos eventos. Todavia, não é incomum deparar-se com volumes de caráter coluvial entremeando camadas fluviais, ou mesmo se sobrepondo a estas, deflagrando o processo de deslocamento de massas de solos das encostas adjacentes (Figura 1).

Quando as lentes ocorrem em número sequencialmente elevado, torna-se oportuno a reunião destas em “fácies”, independentemente de suas constituições de ordem química, mineralógica, granulométrica ou cor, constituindo assim, a reunião destas em grupamentos que caracterizam a dinâmica fluvial. O objetivo do estudo no momento, muitas vezes, determina a ordem dos agrupamentos.

Em última análise, a textura das camadas e lentes reflete a capacidade e a competência fluvial, ou seja, a variação da energia do caudal fluvial ao longo do tempo, revelando informações importantes quanto à fragilidade ambiental do rio em questão.

Evidentemente que estas informações não devem e não podem ser tomadas de forma excludente aos demais campos de informação que se encontram no ambiente fluvial. Desta forma, a análise e a interpretação advinda dos atributos dos Neossolos Flúvicos devem estar atreladas, por exemplo, às condições de formação e conservação dos taludes fluviais. Ambientes de rios que frequentemente são tomados por vazões extraordinariamente altas, apresentam processos erosivos marcantes, sobretudo, quando estes encontram-se destituídos das florestas ciliares (Figura 2). Da mesma maneira, a altura das margens fluviais retrata a variação de volume dos fluxos fluviais e o seu respectivo potencial de tração fluvial, sobretudo quando, concomitantemente, encontram-se pavimentos seixosos ou placoidais de grande tamanho nos taludes das margens.

 

Figura 2
Figura 2 - Margem Fluvial destituída de floresta ciliar, severamente erodida

 

 

 

Outro fator de interpretação a ser considerado para a formação e a estabilidade do Neossolo Flúvico é a hierarquia fluvial do rio que o gerou (primeira, segunda, terceira... ordem), pois quanto maior esta, maior é a possibilidade de ocorrerem variações de volumes do caudal fluvial, o que, consequentemente, impõe capacidades e competências fluviais muito distintas. Assim, fortes variações de vazões podem determinar grande instabilidade aos Neossolos Flúvicos, principalmente se estes estiverem posicionados em superfícies de degradação dos rios, áreas mais sujeitas a ação erosiva do caudal.

Sem dúvida, a investigação contextualizada referente ao processo de formação do Neossolo Flúvico em planície, permite compreender o quão complexo e interdependente é sua materialização, e por que não, quão singela e pródiga é a natureza na elaboração de seus elementos de constituição.

 

1 – Pesquisador da Embrapa Florestas – gustavo.curcio@embrapa.br

2 – Pesquisador da Embrapa Florestas – jbvgomes@embrapa.br

3 – Técnico do PronaSolos Paraná – mkacharouski@gmail.com

4 – Técnico do PronaSolos Paraná – marlon_debrino@hotmail.com

  • Figura 2 - Margem Fluvial destituída de floresta ciliar, severamente erodida
    Figura 1 - NEOSSOLO FLÚVICO Tb Distrófico gleissólico
    Figura 2 - Margem Fluvial destituída de floresta ciliar, severamente erodida
    Figura 1 - NEOSSOLO FLÚVICO Tb Distrófico gleissólico